Após denúncia anônima, Auditores-Fiscais do Trabalho, da Superintendência Regional do Trabalho em Goiás (SRTb-GO), em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS/Anápolis-GO) afastaram uma trabalhadora das atividades domésticas, encontrada em condições análogas às de escravo em uma residência de Anápolis/GO, em decorrência do não pagamento de salários e da realização de jornadas exaustivas de trabalho.
As informações obtidas são de que a vítima morou até os 12 anos de idade no município de Riachão, estado do Maranhão, onde teve uma infância conturbada, sem amparo familiar e de muito sofrimento. Sua mãe biológica a havia dado para adoção ainda na maternidade, no Piauí, tendo falecido pouco tempo depois. Os pais adotivos a teriam levado para o Maranhão e alguns anos depois sua mãe adotiva também veio a falecer, quando então ela ficou sob a guarda exclusiva do padrasto. A partir de então, a vítima teria passado a sofrer violência, maus tratos e exploração por parte do padrasto e dos irmãos adotivos.
Em agosto de 1990, quando tinha acabado de completar 12 anos de idade, fugida do padrasto, foi trazida clandestinamente para Anápolis/GO, por uma então desconhecida, a pedido de um dos integrantes da família com a qual veio a morar e trabalhar por mais de 30 anos.
Ao chegar em Anápolis/GO, a então menor foi levada para a residência do casal, os quais tinham em torno de 50 anos de idade, à época. Na ocasião, também residiam na mesma casa 02 filhos adultos do casal e uma estudante não pertencente à família.
Durante esses mais de 30 anos, a vítima morou e trabalhou na residência do citado casal (hoje o marido com 82 e mulher com 80 anos de idade), na função de doméstica, limpando casa, lavando roupas e fazendo outros serviços domésticos diversos, como ajudar a cozinhar e a cuidar de crianças, netos daqueles.
O Auditor Fiscal Roberto Mendes constatou que ela nunca foi registrada, não recebia salário, não gozava de folgas legais, não teve acesso regular à escola e muito menos assistência psicológica para lidar com os traumas pelos quais passara durante sua infância.
Os envolvidos negam a existência de prestação de serviços, e consequentemente a existência de vínculo empregatício, alegando que a vítima era “como se fosse parte da família”. Entretanto, o que ficou configurado é que ela era empregada doméstica e, mais do que isso, era explorada como se escrava fosse.
Os empregadores foram notificados a não mais exigir a realização de trabalho por parte da vítima, registrá-la retroativamente como empregada doméstica e rescindir seu contrato de trabalho, quitando-lhes suas verbas rescisórias, bem como garantir alimentação e moradia à vítima até a solução final do caso. Todavia, à exceção do fornecimento de moradia e alimentação, os envolvidos se negaram a cumprir tais solicitações, alegando não reconhecer a existência da condição de empregada da vítima.
Com isso o caso será levado, pelo Ministério Público do Trabalho, à Justiça do Trabalho, a quem caberá a decisão final sobre o a situação.
As verbas rescisórias da empregada doméstica resgatada somaram pouco mais de 1 milhão de reais, considerando, nesse caso, a imprescritibilidade dos direitos trabalhistas da vítima.
Durante a ação fiscal, houve o cadastramento da empregada resgatada no “seguro-desemprego de trabalhador resgatado”. Com isso, a vítima receberá 03 parcelas do benefício, de 01 salário mínimo cada, consoante a legislação que regula a matéria (art. 2 – C da Lei 7.998/90, com redação dada pela Lei 10.608/02).
Quanto aos empregadores, foram lavrados alguns autos de infração por manter empregado em condição análoga à de escravo e por desrespeito à Lei do Doméstico (LC 150/2015). Além disso, poderão, em tese, responder criminalmente pelos ilícitos previstos no art. 149 do Código Penal Brasileiro (trabalho escravo), bem como pelo art. 149-A (tráfico de pessoas).