Ativos digitais não são sintoma de anonimato e podem ser monitorados pelos órgãos fiscalizadores
O recente ataque hacker à infraestrutura operacional do Banco Central, com movimentações indevidas em contas de reserva bancária ligadas ao sistema PIX, reacendeu o debate sobre o uso de ativos virtuais por grupos criminosos. Após o desvio de valores, os responsáveis tentaram converter os valores em ativos digitais. A ação, no entanto, evidenciou um ponto técnico crucial: ao contrário do que se imagina, a tecnologia blockchain a base dessas transações é altamente rastreável e não garante anonimato absoluto de seus usuários.
As redes públicas que sustentam essas criptomoedas são projetadas para registrar todas as transações de forma sequencial, imutável e permanentemente acessível. Esse modelo de cadeia de blocos (blockchain), aliado a ferramentas especializadas de análise forense e exploração de blocos, permite mapear toda a trajetória dos ativos digitais: da origem ao destino final. Em outras palavras, a estrutura da tecnologia blockchain permite que autoridades e especialistas acompanhem os fluxos financeiros com alto grau de precisão, desmistificando uma das críticas aos ativos digitais.
“Apesar da característica pseudônima dessas redes em que os endereços não exibem diretamente os nomes dos usuários, a identidade é preservada sem impedir o rastreamento das operações em operações policiais ou demandas judiciais. Ou seja, não se trata de um anonimato completo e irrestrito, mas de um resguardo de identidade que não impede o seu rastreamento se houver essa necessidade, como é o caso desse ataque ao Banco Central”, explica o advogado e especialista em tecnologia blockchain e ativos virtuais Pedro Torres.
Um relatório da Chainalysis corrobora esta afirmação. Em 2023, apenas 0,34% do volume total de transações com criptomoedas foi destinado a endereços associados a atividades ilícitas o que equivale a US$ 24,2 bilhões num universo de trilhões movimentados globalmente. Chama a atenção também a redução desses valores em comparação a 2022, quando foi registrado US$ 39,6 bilhões em atividades ilícitas. “O ecossistema de ativos digitais é legítimo, seguro e possibilita a sua rastreabilidade por parte dos órgãos de fiscalização”, diz Cleverson Pereira, head educacional da OnilX, empresa que transforma ativos digitais em liquidez para efetuar pagamentos e transações.
Blockchain, Pix e a rastreabilidade
A rastreabilidade da Tether (UDST), uma das principais stablecoins do planeta, é ainda mais evidente. Trata-se de um ativo digital emitido por uma entidade centralizada que adota políticas de compliance rigorosas. Lastreada no dólar, a Tether circula em redes públicas e pode ser bloqueada ou congelada por decisão unilateral de seu emissor, ampliando o controle sobre transações consideradas suspeitas, caso haja alguma requisição.
Torres destaca que a tecnologia é, neste cenário, uma aliada das investigações e das forças fiscalizatórias. “A conversão dos valores em ativos virtuais, longe de inviabilizar a atuação das autoridades, contribui para a rastreabilidade e para a reconstrução das operações com precisão”, reforça Pereira. “A tecnologia blockchain não representa um obstáculo à segurança. É uma ferramenta poderosa para a transparência e a rastreabilidade de ativos em ambientes digitais”, ressalta Torres.
A lógica é semelhante aos processos financeiros dentro do sistema de pagamento Pix, que, por enquanto, não conta com a tecnologia blockchain. “Ao utilizarmos a Blockchain para estruturar um procedimento semelhante no Pix, ganharíamos em segurança, pois conseguiríamos rastrear as informações das transações realizadas sem a possibilidade de alteração, uma vez que, na Blockchain as transações são imutáveis”, analisa Pereira.
Um outro ponto que tornaria esta cadeia ainda mais segura é o fato de exigir diversas chaves privadas. “Formada por várias palavras que podem ser divididas entre os gestores do sistema, sendo que todos precisam usar juntos para liberar todo o sistema de pagamento ou a transação dentro da Blockchain. Portanto, facilitaria uma governança em um novo processo de segurança”, reforça o head educacional da OnilX.
Na outra ponta, o uso de dinheiro vivo, por exemplo, torna o acompanhamento das autoridades mais complexo e, muitas vezes, sem a possibilidade de rastreio. “É preciso entender a diferença de conceito entre anonimato e preservação de identidade dos ativos digitais. Uma tecnologia como blockchain permite rastrear a origem e a movimentação de ativos de forma segura e efetiva”, completa Pereira.